Quando se fala das incertezas sobre os rumos do país e do mundo, a primeira preocupação que costuma vir à mente é em relação ao dinheiro – e tudo que ele significa tanto na vida real quanto em nossa fantasia.
Fala-se muito dele, preocupa-se demais com ele – ou com sua falta. Sem dúvida há aspectos práticos envolvidos na questão, mas grande parte de nossas angústias nessa área está vinculada à forma como nos relacionamos com o dinheiro e com os ideais de satisfação que projetamos nele – e não com nossa conta bancária em si.
Por artimanhas do psiquismo, nos apegamos à ideia equivocada de que ter mais necessariamente nos tornará satisfeitos –
e tendemos a confundir ter com ser e o preço das coisas com seu valor. Mas, afinal, que poder quase mágico é esse que atribuímos ao dinheiro? O que é muito ou pouco?
Há alguns anos, o psicólogo venezuelano Axel Capriles, autor de Dinheiro – Sanidade ou loucura (Axis Mundi, 2005), causou algum impacto ao declarar que “o dinheiro é o novo sexo”, justificando que há muito mais loucuras e doenças associadas ao vil metal do que à vida sexual. Embora não tenha dado especificamente à moeda a mesma ênfase que conferiu aos relacionamentos tanto consigo mesmo como com o outro, Freud não deixou de apontar o seu papel na mente e no comportamento humano.
Na teoria freudiana, a relação com o dinheiro está ligada aos primeiros anos de vida, quando a criança aprende que pode “negociar” o afeto da mãe – o que influencia a forma como a pessoa vai lidar com sua vida financeira no futuro. A maneira como nos relacionamos com o que temos, com o que desejamos e com o que tememos perder não é determinante de um tipo de personalidade, talvez ofereça pistas a respeito de quadros psicológicos. Uma neurose obsessiva pode se manifestar por meio da avareza, por exemplo, assim como o esbanjamento compõe, em certos casos, características da histeria ou de quadros patológicos de mania. A socióloga Glória Maria Garcia Pereira, autora de As personalidades do dinheiro(Campus, 2005, esgotado), ressalta que há padrões de personalidade inconscientes que determinam nossa relação com o dinheiro e argumenta que uma das chaves para não sofrermos com a ciranda financeira é descobri-los.
De fato, ansiedade, desejo de autocompensação, culpa, dificuldade de lidar com os próprios medos e autossabotagem podem ser tão prejudiciais à vida financeira quanto as incertezas do mercado.
Muitos usam o poder aquisitivo para compensar sentimentos de insegurança e solidão e só se sentem bem (ainda que provisoriamente) se puderem comprar o que pretendem na hora que querem.
Que atire a primeira pedra quem nunca correu para o shopping para afogar as mágoas e saiu de lá com uma sacola de coisas das quais não precisava? Ou quem jamais teve a sensação de não merecer algo que lutou tanto para conseguir?
(Autora: Gláucia Leal)
(Fonte: Este artigo foi publicado originalmente na edição especial de Mente e Cérebro 51, Manual de sobrevivência psíquica em tempos de crise)